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FATORES DA EVOLUÇÃO DO DIREITO

Resumo do Livro Programa de Sociologia Jurídica,
de Sérgio Cavalieri Filho



Inúmeros são os fatores sociais que concorrem para a evolução do Direito, não sendo possível, neste modesto trabalho, examiná-los todos. Vamos apenas destacar aqueles que, em nossa opinião, são os principais, a saber: os fatores econômicos, políticos, culturais e religiosos.


1)       Fatores econômicos



A organização social tem o seu ponto básico de articulação no modo pelo qual os homens produzem, possuem e comerciam. Assim sendo, podemos afirmar, sem possibilidade de erro, que o Direito vai se modificando à medida que vai se alterando a estrutura econômica da sociedade.
 Tão marcante é a influência da economia sobre o Direito que alguns autores chegam a se posicionar no sentido de conceber o Direito como reflexo, exclusivamente, da constituição econômica.

 Sem dúvida constitui exagero considerar o Direito reflexo exclusivo da constituição econômica, embora não se possa negar que, entre as forças modeladoras do Direito, o fator econômico é o que exerce uma influência mais decisiva, ainda que seguido de muito perto pelo político.



1.1)  Influência do fator econômico sobre o Direito Romano


Em Roma, a sociedade inicialmente compunha-se de camponeses que viviam da lavoura; tinham que tirar da terra o seu sustento. Uniam-se todos em torno do pater familias, único dotado de capacidade jurídica, para a produção dos bens necessários à sobrevivência do grupo. Tal direito estava perfeitamente adequado a uma sociedade de pequenos agricultores.
Aí pelo III século antes de Cristo, os agricultores romanos tornaram-se comerciantes. Lançaram-se ao mar, entraram em contato com outros povos, dedicaram-se com grande intensidade à compra e venda de mercadorias.
 Essa modificação na estrutura econômica imediatamente repercutiu no direito. A organização da família tornou-se menos rígida, passando a ser submetida ao controle da sociedade global e não mais exclusivamente ao pater familias. Dentre outras mudanças, os estrangeiros deixaram de ser tratados como inimigos e passaram a ser amigos.


1.2)  Influência do fator econômico sobre o Direito Moderno


Algo idêntico ao ocorrido em Roma desenvolveu-se quando da criação da grande indústria e do maquinismo, no fim do século XVII. Surgiu uma nova classe, enriquecida pela posse de capitais mobiliários, em decorrência do enfraquecimento correlativo dos proprietários de terras. A burguesia ascendeu ao poder político.
A própria instituição da escravidão, sua substituição pelo servilismo durante o regime feudal e sua posterior superação pelo assalariado na moderna sociedade burguesa, são transformações econômicas de repercussão imensa sobre o status pessoal em geral, e sobre a condição jurídica do homem trabalhador em particular.


2)       Fatores políticos



A palavra política, embora ligada etimologicamente a polis (cidade), modernamente é utilizada para designar a ciência e a arte de governar, abrangendo as relações entre o indivíduo e o estado, as relações dos estados entre si, bem como as funções e atribuições do Estado.
Já houve quem identificasse Estado e Direito e ainda hoje é a perspectiva da maioria dos juristas em face do Estado. Sem entrar em polêmica, voltamos a enfatizar que do ângulo sociológico em que nos situamos há uma nítida distinção entre o Direito e o Estado, embora não se possa negar a proximidade em que se situam, este se realizando socialmente através daquele.
 A aparição do poder político, longe de ser o responsável pela gênese do direito, é apenas um evento que exerce uma reação grave e imediata, tanto na função e estrutura jurídicas, como sobre o conteúdo do direito.
A influência dos fatores políticos sobre o Direito torna-se mais patente no caso da revolução. Mal concluída a tomada do poder pelo grupo revolucionário, surge um Direito novo, substituindo aquele que servia de sustentáculo normativo ao sistema social, político e econômico contra o qual a revolução se lançou.


3)       Fatores culturais



Se compararmos o direito de uma sociedade culturalmente desenvolvida com o de outra inculta, constataremos imediatamente a necessária harmonia existente entre a ordem jurídica e os fatores de cultura. O direito evolui acompanhado a evolução cultural, a ponto de podermos afirmar ser ele o aspecto cultural de um povo.


3.1) O que é cultura?


 Numa definição simplista, cultura é tudo aquilo que o homem acrescenta à natureza. São conhecimentos que vão se formando, transmitindo-se a outras gerações como autêntica herança social. É o conjunto de conhecimentos, crenças, artes, de regras morais, jurídicas e de costumes, e de quaisquer outras aptidões do homem, por ele adquiridas em sua condição de membro da sociedade.
 A maior evidência de ser o Direito uma manifestação de cultura social, um fenômeno cultural, está no fato de surgirem novos ramos do Direito à medida que se expande o mundo cultural de um povo. Falamos hoje em Direito Espacial, Nuclear, das Telecomunicações etc., realidade somente possível graças ao progresso científico dos tempos modernos.


4)       Fatores religiosos



Nos povos antigos, o direito não se diferenciava da religião. Praticamente se confundiam porque o poder, a autoridade, o direito e a religião emanavam da mesma divindade, e quase sempre estavam centralizados nas mãos da mesma pessoa. Quando o chefe político não era também o líder religioso, este partilhava do poder, exercendo imensa influência sobre o povo.
Somente após um lento e prolongado processo de secularização, sob o impacto de civilizações mais adiantadas, o direito foi se separando da religião – o mundo profano do sagrado.
 Hoje, pode-se dizer, de um modo geral, que a religião se ocupa com o foro íntimo, com a consciência pessoal, ao passo que o direito trata do foro externo; a religião se preocupa com as relações entre o homem e a divindade, o direito disciplina as relações sociais que se travam entre o homem e o homem, ou entre o homem e o grupo.


4.1) Influência da Religião sobre o Direito


Alguns sistemas jurídicos, tal como entre os povos antigos, ainda hoje estão profundamente impregnados de religião, a exemplo do que ocorre no Mundo Islâmico, onde regras jurídicas e religiosas praticamente se confundem. Entretanto, mesmo os sistemas jurídicos leigos, onde religião e direito não se confundem e a Igreja está separada do Estado, não deixam de receber a influência constante dos fatores religiosos.
 Nos dias atuais, os países onde predomina o protestantismo são bem mais liberais para com certos assuntos jurídicos do que aqueles onde predomina o catolicismo. O divórcio, por exemplo, foi aprovado no Brasil depois de longa e sistemática campanha contrária que a Igreja Católica lhe moveu. E até hoje não temos leis regulamentando o controle da natalidade em razão da acirrada oposição que setores conservadores religiosos lhe fazem.


4.2) Outros fatores sociais


Esses são os principais fatores sociais da evolução do Direito, mas como estes, muitos outros existem a exercer influência, pois, sendo o direito um fenômeno social, atuam sobre ele todos os fatores que atuam sobre a sociedade. O clima, o território, o número de habitantes, os recursos naturais, os grupos organizados e a própria opinião pública despertada pela mídia a respeito de algum caso rumoroso são outros tantos fatores da evolução do Direito.
Serve-nos de bom exemplo o recente Estatuto do Desarmamento. Entre os países que não enfrentam guerra civil, o Brasil detém o recorde de mortes por arma de fogo. Entretanto, na aprovação da Lei do Desarmamento, o Lobby contra o projeto, organizado principalmente por fabricantes de armas e munição, foi mais forte.
A vida das normas jurídicas não é eterna; elaboradas para as relações dos homens em sociedade, têm o seu destino condicionado ao substractum social que disciplinam e ordenam. As mudanças na sociedade mais cedo ou mais tarde refletem em mudanças na legislação em vigor ou em uma nova interpretação dada a normas anteriores.

Bibliografia:


- Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de Sociologia Jurídica – Rio de Janeiro: Forense, 2005.

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